— Um acréscimo brilhante à série. Então tá, me diga, o cara das tulipas é um vigarista ou não é? Estou tendo um mau pressentimento com relação a ele.
— Nada de estragar o suspense — eu disse.
— Se ele for qualquer coisa diferente de um completo cavalheiro, vou arrancar os olhos dele fora.
— Então você está gostando do livro.
— Nada de opiniões antes do fim! Quando posso ver você?
— Com certeza, não até terminar Uma aflição imperial. — Eu adorava fazer jogo duro.
— Então é melhor eu desligar e começar a ler.
— Melhor mesmo — falei, e o telefonema acabou ali.
Paquerar era uma coisa nova para mim, mas eu estava gostando.
* * *
Na manhã seguinte eu tinha aula de Poesia Norte-americana do Século XX no MCC. Uma professora bem mais velha conseguiu falar noventa minutos da Sylvia Plath sem citar uma palavra da Sylvia Plath.
Quando saí da aula, mamãe estava parada no meio-fio na frente do prédio.
— Você ficou esperando aqui o tempo todo? — perguntei quando ela se apressou em me ajudar a puxar o carrinho e o cilindro para dentro do carro.
— Não. Peguei algumas roupas na lavanderia e fui à agência dos correios.
— E depois?
— Trouxe um livro para ler — ela disse.
— E sou eu quem precisa viver a minha vida. — Sorri, e ela tentou sorrir também, mas havia algo estranho em seu sorriso. Depois de alguns segundos, falei: — Que tal um cineminha?
— Boa ideia. Tem alguma coisa que você queira ver?
— Vamos fazer o de sempre: ir até lá e assistir ao filme que estiver para começar.
Ela fechou a porta do carro para mim e andou até o lado do motorista.
Fomos ao cinema Castleton e assistimos a um filme 3-D sobre roedores falantes. No fim das contas, o filme até que era engraçado.
* * *
Quando saímos do cinema, vi que tinha recebido quatro torpedos do Augustus.
Diga que meu exemplar veio com as últimas vinte páginas faltando ou algo assim.
Hazel Grace, diga que eu não cheguei ao fim deste livro.
AI MEU DEUS ELES SE CASAM OU NÃO AI MEU DEUS O QUE É ISSO
A Anna morreu e a história acabou, é isso? CRUEL.
Ligue para mim quando puder. Espero que esteja tudo bem.
Então, quando cheguei à minha casa, fui direto para o quintal, me sentei numa cadeira de vime trançado meio velhinha que havia na varanda, e liguei para ele. O dia estava nublado, como sempre está em Indiana: o tipo de clima que deixa qualquer um deprimido. Ocupando quase toda a área do quintal ficava o balanço que eu usava na infância, e que agora tinha uma aparência toda alagada e patética.
O Augustus atendeu no terceiro toque.
— Hazel Grace — falou.
— Seja bem-vindo à doce tortura que é ler Uma aflição… — Parei ao ouvir um choro convulsivo do outro lado da linha. — Você está bem? — perguntei.
— Ah, maravilha — o Augustus respondeu. — Mas estou aqui com o Isaac, que está meio descompensado. — Mais choro. Como o grito de morte de algum animal ferido. O Gus deu atenção para o Isaac. — Cara. Cara. A Hazel do Grupo de Apoio ajuda ou atrapalha? Isaac. Preste. Atenção. Em. Mim. — Um minuto depois o Gus me perguntou: — Você pode vir até a minha casa em mais ou menos vinte minutos?
— Claro — respondi, e desliguei.
* * *
Se desse para ir em linha reta, eu levaria só uns cinco minutos da minha casa até a do Augustus de carro, mas não dá porque o Holliday Park está entre nós.
Mesmo sendo uma inconveniência geográfica, eu gostava muito do Holliday Park. Quando era pequena, costumava brincar no rio White com o papai, e sempre havia um momento fantástico em que ele me lançava no alto, me jogando para longe, eu esticava os braços durante o voo e papai,os dele, e então ambos víamos que nossos braços não iriam se tocar e que ninguém iria me pegar, o que nos assustava da melhor maneira possível, e aí eu, as pernas agitadas no ar, mergulhava na água e depois subia para respirar, ilesa, a corrente me levando de volta para ele enquanto eu dizia de novo, papai, de novo.
Estacionei na entrada de carros ao lado de um Toyota preto meio antigo modelo sedã. Imaginei que fosse o carro do Isaac. Levando o cilindro no carrinho atrás de mim, andei até a porta de entrada. Bati. O pai do Gus atendeu.
— Só Hazel — exclamou. — Que bom ver você.
— O Augustus disse que eu poderia vir aqui.
— É. Ele e o Isaac estão no porão. — Naquele momento ouvi um choro vindo lá de baixo.
— E esse é o Isaac — disse o pai do Gus, balançando a cabeça devagar. — Cindy precisou sair para dar uma volta de carro. O barulho… — ele falou, divagando. — Bem, de qualquer maneira, acho que você está
sendo requisitada lá embaixo. Posso carregar seu cilindro? — ele perguntou.
— Não precisa, estou bem. Obrigada mesmo assim, Sr. Waters.
— Mark — ele disse.
Eu estava meio com medo de descer. Ouvir gente chorando convulsivamente não é um dos meus passatempos favoritos. Mas fui mesmo assim.
— Hazel Grace — disse o Augustus ao ouvir o ruído dos meus passos. — Isaac, a Hazel do Grupo de Apoio está descendo. Hazel, só para lembrar: o Isaac está no meio de um surto psicótico.