Dobrou o corpo na linha da cintura e puxou de lá o V de Vingança. — Eu era, tipo, o protótipo do jogador de basquete estudantil de Indiana — ele disse. — Estava todo empenhado em ressuscitar a arte esquecida do arremesso de meia distância. Mas, um dia, enquanto praticava arremessos livres da cabeça do garrafão na quadra do ginásio da North Central, pegando as bolas de um carrinho, de repente me perguntei por que estava jogando um objeto esférico através de outro, toroidal. Parecia ser, de todas, a coisa mais idiota do mundo. Aí comecei a pensar nas crianças pequenas que tentam encaixar blocos cilíndricos em círculos vazados e em como tentam isso várias vezes durante meses até descobrirem como se faz, e em como o basquete era basicamente uma versão só um pouquinho mais aeróbica desse mesmo exercício. Bem, de qualquer forma, por um tempão segui encestando os lances livres. Acertei oito bolas seguidas, meu recorde absoluto, mas, enquanto continuava, me sentia cada vez mais como uma criança de dois anos. E aí, por algum motivo que não sei qual, comecei apensar em atletas que praticam corridas com obstáculos. Está tudo bem?
Eu tinha me sentado na beira da cama desarrumada dele. Não queria me insinuar, nem nada; é que me canso um pouco toda vez que fico muito tempo de pé. Já tinha ficado em pé na sala de estar, depois desci a escada, e aí fiquei de pé de novo, o que era demais para mim, e não queria desmaiar. Eu era tipo uma donzela vitoriana, no quesito "desmaios à toa".
— Tudo bem — falei. — Só estou prestando atenção em você. Atletas que praticam corridas de obstáculos?
— Pois é. Não sei por quê. Comecei a pensar neles correndo naquelas pistas de atletismo, saltando aqueles objetos totalmente arbitrários colocados no meio do caminho. E aí me perguntei se esses corredores já teriam pensado em algo como: Essa corrida seria mais rápida se nós simplesmente nos livrássemos dos obstáculos.
— E isso foi antes do diagnóstico? — perguntei.
— É, bem, tem isso também. — Ele deu um sorrisinho. — Por coincidência, o dia dos lances livres carregados de existencialismo foi meu último como bípede. Só tive um fim de semana entre o agendamento da amputação e o "dia D". Meu vislumbre particular do momento pelo qual o Isaac está passando agora.
Balancei a cabeça, concordando. Eu gostava do Augustus Waters.
Gostava muito mesmo dele. Gostava de como a história dele terminava falando de outra pessoa. Gostava da voz dele. Gostava do fato de ele ter feito lances livres carregados de existencialismo. Gostava de ele ser
professor titular no Departamento de Sorrisos Ligeiramente Tortos com duas cátedras no Departamento da Voz Que Me Deixa à Flor da Pele. E gostava de ele ter um apelido. Sempre gostei de pessoas com apelidos porque você pode escolher como chamá-las: Gus ou Augustus? Eu era sempre só Hazel, uma Hazel univalente.
— Você tem irmãos? — perguntei.
— Hein? — ele murmurou, parecendo um pouco distraído.
— Aquilo que você disse sobre ver crianças brincando.
— Ah, não. Eu tenho sobrinhos, das minhas meias-irmãs. Mas elas são mais velhas. Elas têm… PAI, QUANTOS ANOS A MARTHA E A JULIE TÊM?
— Vinte e oito!
— Elas têm vinte e oito anos. Moram em Chicago. As duas são casadas com advogados muito importantes. Ou banqueiros. Não lembro direito. E você, tem irmãos?
Fiz que não com a cabeça.
— E aí? Qual é a sua história? — ele perguntou, sentando do meu lado, a uma distância segura.
— Já contei minha história para você. Fui diagnosticada quando…
— Não, não a história do seu câncer. A sua história. Seus interesses, passatempos, paixões, fetiches etc.
— Humm — murmurei.
— Não vá me dizer que você é uma daquelas pessoas que encarnam a doença. Conheço tanta gente assim… Dá até pena. Tipo, o câncer é um negócio em franco crescimento, certo? O negócio de tomar-as-pessoas-de assalto. Mas é claro que você não deixou que ele saísse vencedor assim tão cedo.
Passou pela minha cabeça a ideia de que talvez eu tivesse deixado, sim. Demorei a decidir como me vender para o Augustus Waters, que interesses selecionar, mas no silêncio que se seguiu só consegui pensar que eu não era muito interessante.
— Não tenho nada de extraordinário.
— Eu me recuso a acreditar nisso. Pense em alguma coisa de que você goste. A primeira coisa que vier à cabeça.
— Humm. Ler?
— O que você gosta de ler?
— Tudo. De, tipo, romances hediondos a ficção pretensiosa, poesia.
De tudo um pouco.
— Você também escreve poesia?
— Não. Eu não escrevo.
— Taí! — O Augustus falou quase gritando. — Hazel Grace, você é a única adolescente nos Estados Unidos que prefere ler poesia a escrever poesia. Só isso já diz muito sobre a sua pessoa. Você lê um monte de livros maneiros com M maiúsculo, não lê?
— Acho que sim.
— Qual é o seu livro favorito?
— Humm — murmurei.