— Sei — ele respondeu. — Quem sabe algum dia?
E suspirou de um jeito que me fez pensar se ele achava que esse algum dia ia chegar. Eu sabia que o osteossarcoma tinha uma probabilidade de cura muito grande, mas, mesmo assim…
Existem várias maneiras de estabelecer a expectativa de vida aproximada de alguém sem perguntar isso diretamente. Eu fui pela mais tradicional.
— Então, você estuda?
Normalmente seus pais tiram você da escola quando já estão esperando que bata as botas.
— Estudo — ele respondeu. — Na North Central. Mas estou atrasado um ano, dei uma parada no segundo. E você? Pensei em mentir. Afinal de contas, ninguém se interessa por um cadáver ambulante. Mas acabei dizendo a verdade.
— Não. Meus pais me tiraram da escola há três anos.
— Três anos? — ele perguntou, boquiaberto.
Contei ao Augustus a versão resumida do meu milagre: diagnosticada com câncer de tireoide em estágio IV aos treze anos. (Não contei que o diagnóstico veio três meses depois da minha primeira menstruação. Tipo:
Parabéns! Você já é uma mulher. Agora morra.) E, foi o que nos disseram, era incurável.
Passei por uma cirurgia chamada dissecação radical do pescoço, tão desagradável quanto o nome. Depois, radioterapia. Aí tentaram quimioterapia para os tumores no pulmão, que diminuíram num primeiro momento, mas cresceram de novo. Nessa época eu já tinha quatorze anos. Meus pulmões começaram a se encher de líquido. Basicamente, eu parecia uma morta-viva — as mãos e os pés inchados como balões, a pele rachada, os lábios sempre roxos. Existe um remédio que faz você não ficar totalmente apavorado pelo fato de não conseguir respirar, e eu tinha uma grande quantidade dele fluindo dentro de mim por um cateter central inserido perifericamente— PICC, para os íntimos — e mais de uma dezena de outros medicamentos. Mesmo assim, a sensação de afogamento é meio desagradável, principalmente quando dura vários meses. Por fim, acabei na UTI com pneumonia, e minha mãe se ajoelhou ao lado do meu leito e perguntou: "Você está pronta, querida?" Eu respondi que estava, e meu pai ficava repetindo que me amava com aquela voz embargada de sempre, e eu dizia que o amava também, e todo mundo de mãos dadas, eu sem conseguir respirar, meus pulmões funcionando no desespero, sem fôlego, me forçando a me ajeitar para tentar achar uma posição que permitisse que ar entrasse, eu constrangida pelo desespero dos meus pulmões, passada por eles não desistirem, simplesmente, e me lembro da minha mãe dizendo que estava tudo bem, que eu estava bem, que eu ficaria bem, e do meu pai fazendo um esforço tão grande para não chorar que, quando caía no choro, o que acontecia com frequência, parecia um terremoto. E me lembro de não querer ficar acordada.
Todo mundo achou que aquele fosse meu fim, mas minha médica do câncer, Maria, conseguiu drenar um pouco do líquido dos pulmões e, logo depois, os antibióticos que eu tomava para tratar a pneumonia começaram a fazer efeito.
Acordei e logo entrei num daqueles testes clínicos com remédios experimentais que são famosos na República da Cancervânia por não funcionarem. A droga se chamava Falanxifor, uma tal de molécula projetada para grudar nas células cancerosas e diminuir a velocidade de multiplicação delas. Não funcionava em mais ou menos 70% das pessoas. Mas funcionou em mim. Os tumores reduziram de tamanho.
E continuaram reduzidos. Viva o Falanxifor! Nos últimos dezoito meses minhas metástases quase não aumentaram, deixando para mim pulmões que são péssimos, mas que poderiam, a princípio, continuar funcionando indefinidamente no sacrifício com o auxílio da chuvinha de oxigênio e de doses diárias de Falanxifor.
Devo confessar que a história de milagre do meu câncer só resultou em um pequeno ganho de tempo. (Eu só não sabia ainda quão pequeno.) Mas, enquanto contava tudo ao Augustus Waters, pintei o quadro mais
otimista possível, ressaltando a miraculosidade do milagre.— Então você precisa voltar a estudar — ele disse.
— Na verdade, não dá — expliquei —, porque já peguei meu certificado de conclusão do ensino médio. Por isso tenho assistido às aulas no MCC. — Que é a faculdade comunitária da cidade.
— Uma universitária — ele disse, balançando a cabeça. — Isso explica a aura de sofisticação.
Ele abriu um sorriso afetado. Dei um empurrão no seu braço, de brincadeira. E pude sentir o músculo logo abaixo da pele, todo contraído e incrível.
Fizemos uma curva cantando pneu e entramos em um loteamento com muro emboçado de dois metros e meio de altura. A casa dele era a primeira à esquerda. Estilo colonial, dois andares. Paramos, com um tranco, na entrada de carros.
Fui atrás dele até dentro da casa. Uma placa de madeira, no hall, tinha gravadas com letras cursivas as palavras O lar é onde fica o coração,e acabou que a casa toda era enfeitada com dizeres desse tipo.