— ‚Minha resposta está sendo escrita com tinta e papel na tradição gloriosa de nossos ancestrais e, em seguida, transcrita pela Srta. Vliegenthart numa série de 1s e 0s que viajam através da rede enfadonha que vem iludindo nossa espécie nos últimos tempos, por isso peço perdão por quaisquer erros ou omissões que disso possam resultar.
‚Dada a orgia de entretenimento à disposição dos jovens de sua geração, fico grato por qualquer um, em qualquer lugar, que destine a quantidade de horas necessárias para ler meu humilde livro. Mas me sinto especialmente em dívida com sua pessoa, senhor, tanto por suas gentis palavras a respeito de Uma aflição imperial quanto por se dar o trabalho de me dizer que o livro, e aqui o cito ipsis litteris, ‘significou muito mesmo’ para o senhor.
‚Esse comentário, no entanto, leva-me a elucubrar: o que quer dizer com significou? Dada a frivolidade derradeira de nossa luta pela vida, terá algum valor a efêmera carga de significado que a arte nos empresta? Ou o único valor estará em passarmos o tempo o mais confortavelmente possível? O que uma história ficcional deveria pretender emular, Augustus? O soar de um alarme? Um grito de guerra? Uma injeção de morfina? Obviamente, como todas as interrogações do universo, esta linha de investigação inevitavelmente reduz-nos a perguntar o que significa ser humano e — pegando emprestada uma frase dos jovens angustiados de dezesseis anos que o senhor sem dúvida repudia — se há algum sentido nisso tudo.
‚Temo que não haja, caro amigo, e que você receberia alentos insuficientes em encontros ulteriores com minha composição literária.
Porém, respondendo a sua pergunta: não, não escrevi nada mais, nem escreverei. Não creio que continuar a compartilhar meus pensamentos com os leitores irá beneficiá-los, ou a mim. Obrigado, novamente, por seu generoso e-mail.
"Atenciosamente, Peter Van Houten, por intermédio de Lidewij Vliegenthart."
— Uau — falei. — Você está inventando isso?
— Hazel Grace, eu seria capaz, com minha capacidade intelectual limitada, de escrever uma carta fingindo ser o Peter Van Houten, com frases como "nossa contemporaneidade triunfantemente digitalizada"?
— Não, não seria — admiti. — Você pode… você pode me passar o endereço de e-mail?
— Claro — o Augustus respondeu, como se não fosse o melhor presente do mundo.
* * *
Passei as duas horas que se seguiram escrevendo um e-mail para o Peter Van Houten. Parecia piorar a cada vez que eu reescrevia, mas eu não conseguia parar.
Prezado Sr. Peter Van Houten (a/c Lidewij Vliegenthart),
Meu nome é Hazel Grace Lancaster. Meu amigo, Augustus Waters, que leu Uma aflição imperial seguindo minha recomendação, acabou de receber um e-mail do senhor desse endereço. Espero que não se importe
pelo fato de o Augustus ter compartilhado o e-mail comigo.
Sr. Van Houten, eu entendo, pelo conteúdo da sua mensagem para o Augustus, que o senhor não planeja publicar outros livros. De certa forma, estou desapontada, mas também aliviada: não vou precisar mais temer que seu próximo livro não fique à altura da magnífica perfeição do primeiro.
Como sobrevivente, há três anos, de um câncer em estágio IV, posso dizer que o senhor acertou todas as medidas no Uma aflição imperial. Ou pelo menos o senhor acertou todas as minhas medidas. Seu livro tem um jeito de me dizer o que estou sentindo antes mesmo de eu sentir, e já o li várias vezes.
No entanto, gostaria de saber se o senhor se importaria em responder a algumas perguntas sobre o que acontece após o término do livro.
Entendo que acaba porque a Anna morre ou fica tão doente que não consegue mais escrever, só que eu gostaria muito mesmo de saber o que acontece com a mãe da Anna — se ela se casa com o Homem das Tulipas Holandês, se chega a ter outro filho, se continua no endereço 917 W. Temple etc. Além disso, o Homem das Tulipas Holandês é um vigarista ou ele as ama de verdade? O que acontece com os amigos da Anna — em especial a Claire e o Jake? Eles ficam juntos? E, para concluir — imagino que este seja o tipo de pergunta profunda e significativa que o senhor sempre esperou que seus leitores fizessem —, o que acontece com Sísifo, o hamster? Essas questões vêm me atormentando há anos — e não sei quanto tempo vou poder esperar pelas respostas.
Sei que não são perguntas literariamente importantes e que o livro é cheio de perguntas literariamente importantes, mas gostaria muito mesmo de saber.
E, é claro, se o senhor algum dia resolver escrever qualquer outra coisa, mesmo que não queira publicar, eu adoraria ler. Para ser sincera, eu leria até a sua lista de compras de supermercado.