— Você está atrapalhando a minha vibe aqui, Hazel Grace. Estou
tentando observar o amor adolescente em sua esplendorosa estranheza. —
Acho que ele está machucando o peito dela — comentei.
— É. É difícil saber ao certo se ele está tentando excitar a menina ou
fazer um exame de mama.
Aí o Augustus colocou a mão no bolso e tirou de lá, por incrível que
pareça, um maço de cigarros. Levantou a tampa da caixinha e colocou um
cigarro na boca.
— Isso é sério? — perguntei. — Você acha isso legal? Ai, meu Deus,
você acabou de estragar a coisa toda.
— Que coisa toda? — ele perguntou, virando para mim. O cigarro pendia apagado da boca, do canto que não sorria.
— A coisa toda em que um garoto que não é pouco atraente ou pouco
inteligente ou, aparentemente, de forma alguma pouco tolerável me encara
e chama minha atenção para utilizações incorretas da literalidade e me
compara a atrizes e me convida para ver um filme na casa dele. Mas é
claro que sempre tem uma hamartia e a sua é que, ai, meu Deus, mesmo
você TENDO TIDO UM RAIO DE UM CÂNCER ainda dá dinheiro
para uma empresa em troca da chance de ter MAIS CÂNCER. Ai, meu
Deus. Deixe eu só dizer para você como é não conseguir respirar? É UM
INFERNO. Totalmente decepcionante. Totalmente.
— Uma hamartia? — ele perguntou, o cigarro ainda na boca.
Aquilo deixava sua mandíbula contraída. E a linha da mandíbula dele,
infelizmente, era tudo…
— Uma falta trágica — expliquei, dando as costas para ele.
Dei um passo na direção do meio-fio, deixando o Augustus Waters
para trás, e foi então que ouvi um carro dando a partida mais adiante na
rua. Era a mamãe. Ela tinha ficado ali, esperando que eu, tipo, fizesse
amigos ou coisa assim.
Senti um misto de decepção e raiva crescendo em mim. Nem sei
direito que sentimento era aquele, sério, só que havia muito dele, e eu
queria dar um soco na cara do Augustus Waters e ao mesmo tempo trocar
meus pulmões por outros que não fossem péssimos. Eu estava de pé bem
na pontinha do meio-fio com meu All-Star Chuck Taylors, o cilindro de
oxigênio no carrinho ao meu lado parecendo aquela bola de ferro que fica
presa com uma corrente no tornozelo de um prisioneiro, e na hora que
minha mãe ia encostando o carro senti a mão dele pegar a minha.
Puxei a mão mas me virei para ele.
— Eles não matam se você não acender — disse ele quando mamãe
parou junto ao meio-fio. — E eu nunca acendi nenhum. É uma metáfora.
Tipo: você coloca a coisa que mata entre os dentes, mas não dá a ela o
poder de completar o serviço.
— É uma metáfora — falei, hesitante.
Mamãe esperava, quieta. — É uma metáfora — ele repetiu.
— Você determina seu comportamento com base nas ressonâncias
metafóricas…
— Ah, é. — Ele sorriu. O sorriso largo, meio bobo e sincero. — Sou
um grande adepto da metáfora, Hazel Grace.
Eu me virei para o carro. Dei uma batidinha na janela. Que se abriu.
— Vou ver um filme com o Augustus Waters — falei. — Grave, por
favor, os próximos episódios da maratona do ANTM para mim.
Augustus Waters dirigia muito mal. Tanto na freada quanto na arrancada, dava sempre um TRANCO enorme. Eu voava de encontro ao cinto de segurança da caminhonete Toyota toda vez que ele freava, e meu pescoço chicoteava para trás quando o pé ia para o acelerador. Eu deveria estar nervosa — sentada no carro de um estranho, indo para a casa dele, perfeitamente ciente do fato de que meus pulmões de araque iriam dificultar quaisquer esforços para evitar avanços indesejados —, mas ele dirigia tão mal que eu não conseguia pensar em outra coisa.
Tínhamos percorrido quase uns dois quilômetros em silêncio, ouvindo só os barulhos do carro, quando o Augustus disse:
— Fui reprovado três vezes no teste de direção.
— Não diga.
Ele riu e balançou a cabeça.
— É que eu não consigo sentir nada com a boa e velha prótese aqui, e não me acostumo a dirigir com o pé esquerdo. Meus médicos disseram que a maioria dos amputados consegue dirigir sem problemas, mas… bem.
Não é o meu caso. Aí eu cheguei para o meu quarto teste de direção e ele rolou mais ou menos como agora. — Quase um quilômetro à frente o sinal ficou vermelho. O Augustus pisou fundo no freio, me atirando num abraço triangular com o cinto de segurança. — Foi mal. Juro por Deus que estou tentando fazer tudo devagar. Mas, aí, no fim do teste, eu estava certo de que tinha sido reprovado de novo, e o instrutor disse: "Seu jeito de dirigir é incômodo, mas não é arriscado, tecnicamente falando." — Não sei se concordo com ele — falei. — Acho que foi mais um caso de "privilégio do câncer".
Os "privilégios do câncer" são pequenas coisas que as crianças com a doença recebem e as saudáveis, não: bolas de basquete autografadas por ídolos do esporte, perdão pelo atraso na entrega do dever de casa, carteiras de motorista não merecidas etc.
— É — ele disse.
O sinal ficou verde. Segurei firme no banco. O Augustus meteu o pé no acelerador.
— Você sabe que existem controles manuais para pessoas que não podem dirigir usando os pedais? — perguntei.