Amigos de verdade são difíceis de encontrar e impossíveis de esquecer, afirmava uma ilustração acima do cabideiro. O verdadeiro amor nasce em tempos difíceis, prometia uma almofada bordada na sala de estar cheia de móveis antigos. O Augustus me pegou lendo.
— Meus pais chamam isso de Encorajamentos — explicou. — Estão espalhados por toda parte.
* * *
O pai e a mãe dele o chamavam de Gus. Estavam preparando enchiladas na cozinha (escrita em letras gordinhas num vidro jateado perto da pia estava a frase Família é para sempre). A mãe colocava frango nas tortillas, que o pai enrolava e botava num pirex. Eles não pareceram muito surpresos com a minha chegada, o que fazia sentido: o fato de o Augustus me fazer sentir especial não queria necessariamente dizer que eu era especial. Talvez ele levasse uma garota nova todas as noites para ver um filme e se aproveitar dela.
— Esta é Hazel Grace — ele disse, me apresentando formalmente.
— Só Hazel — falei.
— Como vai, Hazel? — o pai perguntou. Ele era alto, quase tão alto quanto o Gus, e magro de um jeito que pais mais velhos normalmente não são.
— Tudo bem — respondi.
— Como foi lá no Grupo de Apoio do Isaac?
— Foi inacreditável — disse o Gus.
— Você é um tremendo desmancha-prazeres — a mãe disse. —Hazel, você gosta de lá?
Fiquei em silêncio por um segundo, tentando decidir se minha resposta deveria ser calculada para agradar ao Augustus ou aos pais dele.
— A maioria das pessoas é bem legal — falei, por fim.
— Foi exatamente o que achamos das famílias no Memorial quando estávamos no meio do tratamento do Gus — o pai dele disse. — Todomundo era muito gentil. Forte, também. Nos dias mais sombrios, o Senhor
coloca as melhores pessoas na sua vida.
— Rápido, cadê a almofada e a linha, porque isso precisa virar um Encorajamento — o Augustus disse, e o pai pareceu ficar um pouco chateado, mas aí ele passou o braço comprido em volta do pescoço do
homem e falou:
— Só estou brincando, pai. Eu gosto desses malditos Encorajamentos. De verdade. Só não posso admitir isso porque sou adolescente. — O pai dele revirou os olhos.
— Você vai ficar para o jantar? — a mãe me perguntou. Ela era baixa, morena e tinha as feições de uma ratinha.
— Acho que sim — respondi. — Tenho de estar em casa às dez. Ah, só tem uma coisa… Eu não como carne…
— Não tem problema. Vamos vegetarianizar algumas delas — ela disse.
— Os animais são fofos demais? — o Gus perguntou.
— Quero diminuir a quantidade de mortes pelas quais sou responsável — falei.
O Gus abriu a boca para fazer um comentário mas pensou duas vezes e continuou calado.
A mãe dele preencheu o silêncio.
— Pois eu acho isso uma coisa maravilhosa.
Eles conversaram um pouco comigo, me contando que as enchiladas eram as Famosas e Impossíveis de Não Experimentar EnchiladasWaters,e que o toque de recolher do Gus também era às dez, e que eles desconfiavam totalmente de qualquer um que estabelecesse um toque de recolher diferente de dez, comentando o fato de eu estar estudando — "ela é universitária", o Augustus exclamou —, de o clima estar absolutamente magnífico para março, e de como na primavera tudo era renovado, e em nenhum momento fizeram qualquer pergunta sobre o oxigênio ou sobre meu diagnóstico, o que era ao mesmo tempo estranho e maravilhoso, e aí o Augustus disse:
— A Hazel e eu vamos assistir ao V de Vingança para que ela possa ver adoppelgängercinematográfica dela, a Natalie Portman do século vinte e um.
— A sala de estar é toda de vocês — o pai dele disse, todo alegrinho.
— Na verdade, acho que vamos ver o filme lá no porão.
O pai dele riu.
— Boa tentativa. Sala de estar.
— Mas eu quero mostrar o porão para a Hazel Grace — o Augustus disse.
— Só Hazel — falei.
— Então mostre o porão para a Só Hazel — o pai dele disse. — E depois volte aqui para cima e assista ao seu filme na sala de estar.
O Augustus bufou, se equilibrou na perna e girou o quadril, jogando a prótese para a frente.
— Tá bem — resmungou.
Desci as escadas acarpetadas atrás dele até chegarmos a um enorme quarto-porão. No nível dos meus olhos, uma prateleira lotada de memorabilia de basquete se estendia pelas paredes de todo o cômodo:
dezenas de troféus com homenzinhos de plástico dourado no meio de saltos com arremesso, driblando ou voando em enterradas em cestas invisíveis. Também havia várias bolas e tênis autografados.
— Eu jogava basquete — ele explicou.
— Você devia ser muito bom.
— Não era de todo ruim, mas esses tênis e essas bolas são Privilégios do Câncer. — Ele andou até a TV, onde uma pilha enorme de DVDs e videogames estava arrumada num formato que lembrava uma pirâmide.