Meu livro favorito era, de longe, Uma aflição imperial, mas eu não gostava de falar dele. Às vezes, um livro enche você de um estranho fervor religioso, e você se convence de que esse mundo despedaçado só vai se
tornar inteiro de novo a menos que, e até que, todos os seres humanos o leiam. E aí tem livros como Uma aflição imperial, do qual você não consegue falar — livros tão especiais e raros e seus que fazer propaganda
da sua adoração por eles parece traição.
Não era nem pelo fato de o livro ser bom nem nada; era só porque oautor, Peter Van Houten, parecia me entender dos modos mais estranho se improváveis. Uma aflição imperial era o meu livro, do mesmo jeito que meu corpo era meu corpo e meus pensamentos eram meus pensamentos.
Mesmo assim, falei dele para o Augustus.
— Meu livro favorito é, provavelmente, Uma aflição imperial — eudisse.
— Tem zumbis? — ele perguntou.
— Não — respondi.
— Stormtroopers?
Balancei a cabeça negativamente.
— Não é esse tipo de livro.
Ele sorriu.
— Vou ler esse livro horrível com um título sem graça que não contém stormtroopers — ele prometeu, e imediatamente senti que não deveria ter lhe contado. O Augustus se virou para uma pilha de livros na parte de baixo da mesa de cabeceira. Pegou um deles e uma caneta. Enquanto escrevia algo na primeira página, falou: — Tudo o que peço em troca é que você leia esta adaptação brilhante e memorável do meu videogame favorito. — Ele me estendeu o exemplar, cujo título era O preço do alvorecer.
Ri e peguei-o.
Nossos dedos meio que se embaralharam no processo e no fim ele acabou segurando minha mão.
— Fria — ele disse, o dedo apertando meu pulso pálido.
— Mais desoxigenada que fria — falei.
— Adoro quando você usa termos médicos comigo — ele disse, se levantando e me puxando junto. E não soltou minha mão até chegarmos à escada.
* * *
Vimos o filme com vários centímetros de sofá entre nós. Dei uma de pré-adolescente colocando a mão no sofá na metade do caminho para deixar claro que ele podia me dar a mão se quisesse, mas ele não fez nada.
Depois de uma hora de filme, seus pais entraram e nos serviram as enchiladas, que comemos no sofá, e estavam uma delícia.
O filme era sobre um tipo heroico e mascarado que morria heroicamente por Natalie Portman, uma garota durona e muito sexy que não tem nada a ver com a minha cara estufada de esteroides.
Enquanto rolavam os créditos, ele disse:
— Muito maneiro, né?
— Muito maneiro — concordei, mesmo não sendo. Sério. Era um filme do tipo que só agrada garotos. Não sei por que os meninos esperam que gostemos desses filmes. Nós, meninas, não temos expectativa nenhuma de que eles gostem dos nossos tipos de filme.
— Preciso ir para casa. Tenho aula de manhã — falei.
Fiquei sentada no sofá por um tempo enquanto o Augustus procurava as chaves. A mãe dele se sentou ao meu lado e disse:
— Adoro esse aí. E você?
Acho que eu estava olhando fixamente para o Encorajamento acima da TV, a ilustração de um anjo com a legenda: Sem dor, como poderíamos
reconhecer o prazer?
(Essa é uma discussão antiga no campo das Reflexões Sobre o Sofrimento, e a ignorância e a ausência de sofisticação da frase poderiam ser analisadas por vários séculos, mas é suficiente dizer que a existência do
brócolis não afeta de forma alguma o gosto do chocolate.)— É — falei. — Um pensamento agradável.
Fui dirigindo o carro do Augustus até a minha casa, ele no banco do carona. Ele tocou para mim algumas músicas de que gostava, de um grupo chamado The Hectic Glow, e eram boas, mas como eu não conhecia, não causaram em mim o mesmo efeito que nele. De vez em quando eu dava uma olhada na perna do Augustus, ou no lugar onde ela costumava ficar, tentando imaginar como seria a aparência da perna falsa. Não queria dar muita bola para aquilo, mas dava um pouco. E ele devia sentir a mesma coisa em relação ao meu oxigênio. A doença gera repulsa. Aprendi isso há muito tempo, e achava que o Augustus também tinha aprendido.
Quando encostei o carro em frente à minha casa, o Augustus desligou o rádio. O clima ficou tenso. Ele devia estar pensando em me beijar, e eu com certeza estava considerando essa possibilidade. Fiquei me perguntando se era o que eu queria. Já tinha beijado alguns garotos, mas fazia algum tempo. Na era pré- milagre.
Coloquei a marcha do carro em ponto morto e olhei para ele. Como era belo. Sei que este não é o adjetivo mais usado para elogiar a beleza de um garoto, mas ele era.
— Hazel Grace. — Meu nome soando inédito e muito mais bonito na voz dele. — Foi um prazer inenarrável conhecê-la.
— Igualmente, Sr. Waters — falei.
E fiquei envergonhada ao olhar para ele. Não era páreo para a intensidade daqueles olhos azul-piscina.
— Podemos nos ver de novo? — perguntou, e havia um nervosismo fofo na voz dele.
Sorri.
— Claro.
— Amanhã?
— Paciência, Gafanhoto — aconselhei. — Assim vai parecer que você está ansioso demais.