O Augustus e o Isaac estavam sentados em poltronas em formato de L, daquelas próprias para se jogar videogame, olhando para cima, para uma televisão gigantesca. A tela estava dividida entre o ponto de vista do Isaac, à esquerda, e o do Augustus, à direita. Eles eram soldados em guerra numa cidade contemporânea toda bombardeada. Reconheci o cenário como sendo o de O preço do alvorecer. Ao me aproximar, o que vi não tinha nada de anormal: só dois caras sentados, banhados pela luz de uma
televisão enorme, fingindo matar pessoas.
Só quando fiquei bem ao lado deles pude ver o rosto do Isaac. Lágrimas corriam num fluxo contínuo por suas bochechas vermelhas, a cara dele uma máscara de dor. Ele olhava vidrado para a tela, sem virar nem um instantinho na minha direção, aos prantos, o tempo todo apertando os botões do controle.
— Está tudo bem, Hazel? — perguntou o Augustus.
— Estou bem — respondi. — Isaac?
Nenhuma resposta. Nem mesmo uma pista que determinasse se ele estava ou não consciente da minha presença ali. Só lágrimas descendo pelo rosto e encharcando a camiseta preta.
O Augustus tirou os olhos da tela só por um instante.
— Você está bonita — ele disse. Eu usava um vestido que ia até um pouquinho abaixo dos joelhos e que eu tinha há séculos. — As garotas pensam que só podem usar vestidos em ocasiões formais, mas eu gosto da mulher que diz, tipo: Estou indo ver um cara em meio a um colapso nervoso, um cara cuja ligação com o sentido da visão é tênue, e, que se
dane, vou usar esse vestido para ele.
— E mesmo assim — falei — o Isaac não é nem capaz de dar uma olhada rápida em mim. Apaixonado demais pela Monica, só pode ser. — Comentário esse que resultou num choro catastrófico.
— Este é um assunto delicado — o Augustus explicou. — Isaac, não sei por você, mas tenho a vaga impressão de que estamos sendo flanqueados. — E voltou a falar comigo: — O Isaac e a Monica não são mais um casal, mas ele não quer falar sobre isso. Só quer chorar e jogar Counterinsurgence 2: O preço do alvorecer.
— É justo — falei.
— Isaac, estou começando a ficar preocupado com a nossa localização. Caso concorde com isso, vá até aquela usina termoelétrica, e eu cubro você.
O Isaac correu para uma construção indistinta enquanto o Augustus atirava enlouquecidamente com uma metralhadora, numa série de rajadas rápidas, e corria atrás dele.
— De qualquer forma — o Augustus se dirigiu a mim —, não vai fazer nenhum mal falar com ele. Se tiver alguma palavra sábia, algum conselho feminino.
— Para falar a verdade, acho que a reação dele é, provavelmente, a mais apropriada — comentei, enquanto uma rajada da metralhadora do Isaac matou um inimigo que havia colocado a cabeça para fora da carcaça incendiada de um caminhão.
O Augustus fez que sim com a cabeça, ainda olhando para a tela.
— A dor precisa ser sentida — ele disse, e esta era uma frase do Uma aflição imperial. — Você tem certeza de que não há ninguém atrás de nós? — ele perguntou ao Isaac. Momentos depois, balas traçantes começaram a zumbir acima da cabeça deles. — Ai, que droga, Isaac — o Augustus disse. — Não quero criticar você num momento tão sensível como esse, mas deixou que fôssemos flanqueados, e agora não há nada entre os terroristas e a escola.
O personagem do Isaac partiu correndo na direção do fogo cruzado, ziguezagueando por uma passagem estreita.
— Vocês poderiam atravessar a ponte e dar a volta por trás — palpitei, uma tática que conhecia graças à minha leitura de O preço do alvorecer.
O Augustus suspirou.
— Infelizmente, a ponte já está sob o controle dos rebeldes devido à estratégia questionável do meu parceiro desconsolado aqui.
— Eu? — o Isaac disse, ofegante. — Eu?! Foi você quem sugeriu que nos metêssemos no raio da usina termoelétrica. Gus desviou o olhar da tela por um segundo e deu seu sorriso torto para o Isaac.
— Eu sabia que você conseguia falar, meu chapa — ele disse. —
Agora vamos salvar alguns estudantes mirins ficcionais.
Juntos, eles correram pela passagem estreita, atirando e se escondendo nos momentos certos, até chegarem a uma escola de um andar só e com apenas uma sala. Eles se agacharam atrás de uma parede do outro lado da rua e acertaram os inimigos, um a um.
— Por que eles querem entrar na escola? — perguntei.
— Pretendem fazer as crianças de reféns — o Augustus respondeu.
Os ombros dele estavam curvados e ele apertava os botões do controle, os antebraços rijos, as veias visíveis. O Isaac se inclinou para a frente, para a tela, o controle dançando na mão fina de dedos finos.
— Vai vai vai — o Augustus disse.
Ondas de terroristas continuaram surgindo, e eles dizimaram todos, os tiros surpreendentemente precisos, como tinham de ser, para que não acabassem atirando na escola.
— Granada! Granada! — o Augustus gritou quando alguma coisa passou desenhando um arco pela tela, quicou no caminho que levava à entrada da escola e então rolou, parando encostada na porta.
O Isaac largou o controle, de tão frustrado.