Foquei nele enquanto o Patrick explicava pela milésima vez sua ausência debolas etc., e aquilo logo virou um Jogo do Sério. Depois de um tempo o garoto sorriu e, até que enfim, desviou os olhos azuis. Quando me olhou de novo, arqueei as sobrancelhas como que dizendo: ganhei.
Ele deu de ombros. O Patrick prosseguiu e, enfim, a hora das apresentações chegou.
— Isaac, talvez você queira ser o primeiro hoje. Sei que está enfrentando um grande desafio no momento.
— É — o Isaac disse. — Meu nome é Isaac. Tenho dezessete anos. Parece que vou precisar ser operado em duas semanas, depois vou ficar cego. Não estou reclamando nem nada porque sei que poderia ser pior,
como no caso de alguns aqui, mas, quer dizer, ficar cego é, tipo, uma droga. Ter uma namorada me ajuda. Além de amigos como o Augustus. — Ele balançou a cabeça na direção do garoto, que agora tinha nome. — Pois é… — continuou. Ele estava olhando para as mãos, os dedos cruzados parecendo o topo de uma tenda indígena. — Não há nada que se possa fazer para mudar isso.
— Estamos do seu lado, Isaac — o Patrick falou. — Vamos lá, pessoal, digam para o Isaac ouvir.
E então todos nós, em uníssono, dissemos:
— Estamos do seu lado, Isaac.
O Michael foi o próximo. Ele tinha doze anos. Sofria de leucemia.
Desde que se entendia por gente. E estava bem. (Pelo menos foi o que disse. Ele desceu de elevador.)
A Lida tinha dezesseis anos e era bonita o suficiente para ser alvo do olhar do cara gato. Era frequentadora assídua das reuniões — estava em um longo período de remissão de um câncer de apêndice, que eu nem
sabia que existia. Ela disse — como em todas as outras vezes que eu fui às sessões do grupo — que se sentia forte, o que para mim, com aquela chuvinha de oxigênio fazendo cosquinhas no nariz, era o mesmo que tirar onda. Outros cinco falaram antes do cara gato. Ele deu um sorrisinho quando chegou sua vez. A voz era baixa, aveludada e super sensual.
— Meu nome é Augustus Waters — disse. — Tenho dezessete anos.
Tive uma pitada de osteossarcoma um ano e meio atrás, mas só estou aqui hoje porque o Isaac pediu.
— E como está se sentindo? — o Patrick perguntou.
— Ah, maravilha. — Augustus Waters deu um sorrisinho. — Estou numa montanha-russa que só vai para cima, amigão.
Quando chegou minha vez, eu disse:
— Meu nome é Hazel. Tenho dezesseis anos. Tireoide com metástase nos pulmões. Estou bem. A hora passou rápido. Lutas foram recontadas, batalhas ganhas em guerras que com certeza seriam perdidas; a esperança virou tábua de salvação; famílias foram celebradas e recriminadas; foi consenso que os amigos não entendiam nada; lágrimas foram compartilhadas, e consolo, oferecido.
Nem eu nem o Augustus Waters tínhamos soltado uma palavra, até que o Patrick disse:
— Augustus, talvez você queira falar de seus medos para o grupo.
— Meus medos?
— É.
— Eu tenho medo de ser esquecido — disse ele de bate-pronto. — Tenho medo disso como um cego tem medo de escuro.
— Calma aí… — disse Isaac, abrindo um sorriso.
— Estou sendo insensível? — perguntou o Augustus. — Eu posso ser bem cego quando o assunto são os sentimentos das outras pessoas.
O Isaac estava rindo, mas o Patrick levantou um dedo, repreendendoo.
— Por favor, Augustus. Voltemos a você e às suas questões. Disse que tem medo de ser esquecido? — É — respondeu o Augustus.
O Patrick pareceu meio perdido.
— Alguém, ahn, alguém gostaria de fazer algum comentário?
Eu não frequentava uma escola de verdade havia três anos. Meus melhores amigos eram meus pais. Meu terceiro melhor amigo era um escritor que nem sabia que eu existia. Eu era relativamente tímida — de jeito nenhum o tipo que levanta a mão para falar. E, mesmo assim, só dessa vez, resolvi abrir o verbo. Levantei a mão, e o Patrick, a satisfação estampada na cara, disse:
— Hazel!
Eu estava, tenho certeza de que foi isso o que ele pensou, me abrindo.
"Me tornando parte do grupo."
Olhei na direção do Augustus Waters, que me encarava. Dava quase para ver através dos olhos dele, de tão azuis.
— Vai chegar um dia — eu disse — em que todos vamos estar mortos. Todos nós. Vai chegar um dia em que não vai sobrar nenhum ser humano sequer para lembrar que alguém já existiu ou que nossa espécie fez qualquer coisa nesse mundo. Não vai sobrar ninguém para se lembrar de Aristóteles ou de Cleópatra, quanto mais de você. Tudo o que fizemos, construímos, escrevemos, pensamos e descobrimos vai ser esquecido e tudo isso aqui — fiz um gesto abrangente — vai ter sido inútil. Pode ser que esse dia chegue logo e pode ser que demore milhões de anos, mas, mesmo que o mundo sobreviva a uma explosão do Sol, não vamos viver para sempre. Houve um tempo antes do surgimento da consciência nos organismos vivos, e vai haver outro depois. E se a inevitabilidade do esquecimento humano preocupa você, sugiro que deixe esse assunto para lá. Deus sabe que é isso o que todo mundo faz.